A solidão afetiva de pessoas negras é um tema que precisa sair das conversas privadas e ocupar os espaços públicos de debate, especialmente dentro das nossas comunidades. Foi a partir de um bate-papo com minha sobrinha, uma jovem negra de pele clara, que me peguei pensando sobre as dores e silêncios que cercam nossos afetos. Ela me confidenciou a frustração de perceber que, quando um homem não assume um relacionamento ou demonstra indecisão, a desconfiança logo aparece: “é porque ele deve estar com outras mulheres”.
Essa fala, comum a muitas mulheres, revela feridas profundas. Mas também levanta uma pergunta: será que estamos nos escutando de verdade?
Nem toda hesitação masculina é sinônimo de traição. Muitas vezes, trata-se de insegurança, medo de se entregar ou dúvidas sobre ser correspondido. Na base de tudo, homens e mulheres negras seguem buscando o mesmo: amor, cuidado e cumplicidade.
Um refúgio das dores do mundo
Dentro de uma sociedade racista e violenta, todos nós precisamos de um porto seguro. Para muitos homens negros, a afetividade é um território delicado. Vítimas constantes da violência policial, do desemprego e da desumanização, eles buscam em suas relações um lugar de paz. Mas quando o relacionamento se torna mais um campo de conflito — ainda que por motivos pequenos —, muitos se retraem. Não por falta de sentimento, mas por autopreservação emocional.
Por outro lado, é fundamental reconhecer a solidão histórica da mulher negra, marcada pelo racismo, pelo machismo e por violências que muitas vezes começam dentro de casa. Essas feridas moldam a forma como nos conectamos uns com os outros.
Vulnerabilidades que não se veem
Desde cedo, homens negros aprendem a se defender do mundo. A rejeição — nos afetos, nos empregos, nas relações sociais — forma uma couraça que pode ser confundida com frieza. Ao mesmo tempo, muitas mulheres negras crescem ouvindo que precisam “ser fortes”, mesmo quando só queriam ser cuidadas.
Enquanto isso, ambos carregam ausências, traumas e frustrações. Em vez de somarmos dores, precisamos transformar nossas vivências em caminhos de acolhimento mútuo.
Afeto também sofre com a desigualdade
A questão financeira, tão presente nas periferias, também afeta diretamente os relacionamentos. Para um homem negro que enfrenta o desemprego ou subempregos, até o gesto mais simples — como pagar uma ida ao cinema — pode se tornar uma pressão.
Por isso, diálogo e compreensão são fundamentais. Quando o amor se alia à empatia, é possível criar vínculos mais leves, onde limitações não viram cobranças, mas oportunidades de parceria real.
Escuta como ato político
Não se trata de medir quem sofre mais. O convite aqui é para que homens e mulheres negras se escutem com mais atenção, sem reproduzir estereótipos e julgamentos.
A solidão afetiva não é apenas uma dor individual — é também reflexo das estruturas racistas que nos ensinam a desconfiar, competir e nos afastar. Quando, na verdade, o afeto entre nós pode ser espaço de cura e resistência.
Se quisermos construir relações mais saudáveis, precisamos derrubar os muros da incompreensão e construir pontes de diálogo. Escutar o outro lado da história pode ser o primeiro o para transformar a solidão em companhia, o silêncio em conversa, e a desconfiança em amor real.