O GT-FEM — Coletivo de Enfrentamento ao Feminicídio na Bahia (@gt_fem) — promoveu, nesta terça-feira (10), no Instituto de Saúde Coletiva da UFBA (ISC/UFBA), em Salvador, a roda de conversa “Lei do Feminicídio e suas atualizações: o que mudou e o que ainda falta?”.
O encontro reuniu pesquisadores, estudantes, militantes feministas e profissionais da rede de proteção à mulher, como representantes do Centro de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM) Lélia Gonzalez, de Lauro de Freitas. A defensora pública Firmiane Venâncio conduziu a exposição inicial, seguida de um debate com o público presente.
Durante a conversa, foi enfatizada a importância de compreender e divulgar a funcionalidade da legislação que tipifica o feminicídio como crime hediondo. A defensora destacou avanços recentes, mas também apontou lacunas que comprometem a eficácia da lei.
“Falta a perspectiva de gênero no julgamento dos casos de feminicídio. É necessário evidenciar a história da mulher no tribunal. Ainda há pouco investimento em prevenção. O arcabouço jurídico é necessário, mas o Sistema de Justiça é apenas uma das ferramentas”, afirmou Firmiane.

O debate também trouxe à tona questões estruturais, como a necessidade da participação ativa de mulheres de todas as gerações nos espaços de poder político, a qualificação dos serviços públicos voltados ao atendimento das vítimas, a ampliação do orçamento para os serviços especializados, a proteção aos filhos das vítimas de feminicídio e o combate ao machismo nas escolas.
Maria José Araújo, integrante do GT-FEM e mediadora do debate, chamou atenção para a crueldade dos crimes de feminicídio, que revelam o ódio e a misoginia presentes na sociedade brasileira. Ela também denunciou os retrocessos nas políticas públicas para as mulheres durante o governo Bolsonaro.
Avanços legais x aumento dos crimes
O feminicídio é o assassinato de uma mulher motivado por sua condição de gênero — seja no contexto de violência doméstica e familiar, seja por menosprezo ou discriminação contra a mulher.
Durante sua exposição, Firmiane destacou pontos da nova Lei nº 14.994, de 09 de outubro de 2024, que alterou dispositivos do Código Penal, Código Civil e da Lei de Execuções Penais. Entre as mudanças estão: o aumento da pena para casos de lesão corporal e descumprimento de medidas protetivas, a tipificação do feminicídio como crime autônomo, a perda do cargo ou função pública do agressor, e o aumento da pena máxima de 20 para 40 anos.

Apesar dos avanços legislativos, os casos de feminicídio aumentaram no país. De acordo com o Mapa da Segurança Pública de 2025, divulgado nesta quarta-feira (11) pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, foram registrados 1.459 feminicídios em 2024 — o maior número da série histórica. Isso representa quatro mulheres assassinadas por dia. A Região Centro-Oeste teve a maior taxa do país: 1,87 feminicídios a cada 100 mil mulheres, acima da média nacional de 1,34.
O relatório também revelou outros dados alarmantes: 83.114 casos de estupro em 2024 — o maior número em cinco anos. Em média, 227 pessoas foram estupradas por dia, sendo 86% do sexo feminino. O estado de São Paulo liderou em números absolutos (15.989), enquanto Rondônia (87,73), Roraima (84,68) e Amapá (81,96) registraram as maiores taxas por 100 mil habitantes.
As lesões corporais seguidas de morte também aumentaram, independentemente do sexo da vítima.
Firmiane Venâncio refletiu sobre o paradoxo entre o endurecimento da lei e o crescimento da violência:
“A violência de gênero é estrutural. Ela atravessa todas as relações — familiares, sociais, de trabalho — e não se restringe apenas ao contexto conjugal. O sistema patriarcal impõe como as mulheres devem ser tratadas e como seus papéis sociais são interpretados.”
Como ação estratégica, o GT-FEM lançará, no segundo semestre, uma formação gratuita voltada a lideranças comunitárias, estudantes, professores e ativistas sociais, com foco na educação antimachista e no fortalecimento de redes de apoio.